terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Tempo

No dicionário a palavra “tempo” tem muitas definições, algumas como a duração de uma determinada passagem, o momento que está sendo situada, uma fase, a idade, entre mais classificações. Mesmo na realidade este “tempo” pode ser tratado de diversas maneiras, às vezes sendo apontado como vilão, principalmente no caso de quando o anseio por um desejo é grande, noutras reflexão pelas más condutas sobre uma situação, outros tempos de saudades por momentos que provavelmente nunca mais terá replay, algumas como uma conexão espiritual com a presença divina, isto é, as preces e orações perante uma crença. Ou seja, esta palavra sendo transformada em uma vivência varia de acordo com algo que está acontecendo, dependendo apenas do ser humano em fazer a sábia escolha em como usa-lo.

Não perca o precioso momento vivendo um tempo em que nada adianta, seja útil, reinvente-se, transforme-se, descubra os pontos fracos e fortes, aprimore-se, arrisque e viva de maneira que faça valer a pena, como consequência uma hora alcançará aquele momento em que se sentirá grato por ter vivido, uma realidade que em fração de segundos se tornará eterna, um instante de vida que vale por toda ela, lembranças que farão a vida ser especial. Um tempo valioso.


Matheus Santos

terça-feira, 24 de novembro de 2015

[A Ira do Imperador] Capítulo II - Hierarquias

Em algum lugar ao sudeste da  Europa, na região dos Balcãs.

                Sentado em um trono gótico, de detalhes excêntricos, onde um dia um rei comandou, ele esperava ansioso a espera de algo, quase que impaciente. Seus cabelos já eram brancos, e eram jogados para trás, mas sua aparência em nada demonstrava sinais de velhice. Seu olhar dar cor das cinzas de carvão se mostrava distante e vago, fitando para o vazio a sua frente, mas deixava claro, ele não era um velho.

O salão possuía um formato retangular, sustentado por imensas pilastras em retilínea, no meio das duas seções de colunas um extenso tapete vermelho se estendia até a entrada, lugar para onde o homem encarava agora.

— Finalmente! Onde estavam? Sabem quanto tempo esperei? Não falei da importância desse encontro?  — vociferou ao abrir da porta dupla. Dela chegavam seis homens, trajados com mantos pretos que ocultavam suas identidades.

         Nenhuma palavra era proferida, e por isso seguisse alguns segundos de silêncio. Os homens se agachavam sobre um dos joelhos e prestavam reverências, levantando a ordem da figura sentada no trono. Era a imagem do poder, e ninguém ali ousava desacatar suas ordens, mesmo com todo escarcéu.
— Eu quero que reúnam todos os lordes, assim como os duques. Envie-los uma mensagem e os diga que eu, o Conde, os convoco para uma reunião aqui, no Castelo de Ishgar. E, deixem bem claro, é uma emergência, ausências serão reprimidas.

         Seguindo as ordens, o grupo mais uma vez prestava reverência e se retirava do local, deixando mais uma vez o homem a sós, absorto. Segurava um cálice dourado em suas mãos, e aos poucos o comprimia entre seus dedos, até quebra-lo em pedaços. Estava furioso.

         As mensagens, como ordenado, logo foram escritas pelas mãos dos homens, e entregues para os destinatários, que logo souberam das suas convocações. Onze cartas foram enviadas, percorrendo diferentes direções ao redor do mundo. Nove eram aqueles que podiam ser chamados de duques, e três de lordes, mas apenas uma carta fora enviada para um lorde.


Estados Unidos, Carolina do Norte, em Raleigh.

— Parece que Kael esta desesperado, ele nos convoca para uma reunião. Traidor. Vêm implorar por ajudar, insolente, depois de tudo. — seus olhos cintilavam em fúria, e sua mão amassava a carta. Van se dirigia para sua ama, a mulher de cabelos ruivos.
— Se acalme. Você sabe que ele precisa de sua força. Não existe ninguém além de você com quem ele possa contar. — sua voz apaziguadora trazia seus olhos de volta a coloração usual.
— Já não sou aquele antes, você sabe. Ele me tirou tudo, imprestável. — ameaçava voltar ao seu outro estado, que mais parecia uma segunda personalidade.
— Nem tudo. — afirmava a mulher — E lembre-se, mesmo assim você ainda é mais do que qualquer um daqueles duques, bajuladores — passava os braços ao redor de seu pescoço, aumentando sua moral.
— Tem razão. É um momento oportuno. Ele voltou, e isso é inesperado, não achava que pudesse vir a acontecer. Kael se sente ameaçado, e fara de tudo para manter-se no poder. Mas, não vejo como para-lo, ele detém o verdadeiro poder em suas mãos, diferente daquele traidor, que ludibria para conseguir o que quer. — suspirava, dando uma pausa no discurso e fintando o céu.

— Nada pode impedi-lo, o Conde do Milênio. Ele assumira o poder, dando fim a essa loucura, e eu terei minha vingança. — falava nostálgico, relembrando tempos antigos onde um dia os três compartilhavam laços de amizade — Espero encontra-lo em breve, Polaris — comentava com sua mulher.

— Irá. Mas não acho que ele seja o mesmo. — palpitava.

— Isso eu mesmo descobrirei. — falava determinado.

         A carta chegara horas depois de enviada, e Van já se preparava para a viagem até a Europa. Não que precisasse viajar pelos meios convencionais, que nem os pobres humanos, mas dada à fragilidade da situação em que se encontrava, era mais seguro optar por seus meios comuns.

         Após atravessar a metade do Condado de Wake de carro, ele chegava a uma pista de aeronaves, onde nenhum veiculo transitava. Descia do seu Aston Martin prateado, estacionado ao lado da guarita. Seus cabelos flamejantes se remexiam ao vento, e os raios refletiam em um óculos escuro. Todo o seu aspecto de uma pessoa importante se completava com o terno preto extremamente formal, acompanhado de uma gravata vermelha.

Passou direto pelos guardas sem mais problemas, e foi até a pista, onde instantes depois um jato particular de médio porte começava a se posicionar, esperando a sua chegada. Uma escada logo se estendeu até o chão, o guiando para dentro. Recolhida, a porta se fechou, e o jato começou a ganhar velocidade, até se erguer do chão e com extrema velocidade rumar para o nordeste, em direção a Europa.

As nuvens brancas eram cortadas pelo dirigível, e o olhar de Van se perdia no vasto oceano abaixo deles. Em horas chegaria ao seu destino, e os problemas dos últimos anos em nada se comparariam ao que estava por vir.

         De volta à Carolina do Norte, a mansão perdia grande parte de sua agitação rotineira. O silêncio dominava as salas e os corredores. As três estruturas que faziam parte de sua composição nunca conheceram paz maior. A primeira era voltada para a estrada, e era onde ficavam os acessos para os jardins localizados no centro das construções. A segunda, mais a fundo e a direita guardava os alojamentos, onde todos costumavam dormir. E por fim a terceira, a maior, de onde se erguiam duas torres em forma de cúpula, onde eram tratados os assuntos políticos mais importantes e lugar dos convidados.

         Por dentro, os corredores eram adornados por quadros de artistas renomados de diversas épocas, e diversos artefatos antigos colecionados ao longo dos anos. E na parte interna, em geral, a casa possuía um tom de vermelho-vinho misturado com a cor das madeiras de mogno, que revestiam quase toda a fundação.

         Já era o dia posterior ao despertar de Luke, e ele acabava de acordar, mais uma vez. Não conseguia se lembrar do que ocorrera na noite anterior, mas sentia-se bem, ao menos se recordava de um momento em que já se sentira tão disposto em sua vida. Encarou o grande buraco que se fazia notar frente a sua cama, mas não se intimidou em vagar por ai. Em minutos já estava perdido, e não sabia mais por onde voltar, decidindo sair em direção aos jardins que o atraiam ao aroma das flores.

 Era inicio de outono, e as folhas das árvores já perdiam a sua cor, caindo dos galhos e folheando o gramado. Fazia tempo que não tinha contato com a natureza, e deu-se o prazer de apreciar o momento que apesar de marcar a morte das plantas, não perdia a sua beleza. Ali ficou, escorado no tronco do carvalho vermelho, deixando-se cair até ficar sentado com as pernas estiradas sobre as folhas alaranjadas.

Polaris se aproximava, e logo fazia companhia ao rapaz. Seu vestido vermelho arrastava suas bordas no chão, e ela parava ao lado da árvore.

— É belo, não?
— É... — contemplava a vista do lago artificial que se formava mais a frente, onde desemborcavam dois pequenos cursos de água — Tudo tão surreal — completava.
— Levamos anos para construir nosso lar, sinta-se em casa. — confortava.
— Foram setenta anos — pausava — As coisas mudaram muito. Não estamos mais em guerra. E eu estou vivo — indagava.
A ruiva sentia a mudança no tom da voz, e percebia que eram exigidas explicações de sua parte.
— Você já deve ter notado algumas mudanças no seu corpo — ela o espera assentir com a cabeça, como assim o fez.

Luke estava inerte, atencioso a cada palavra proferida pela mulher. Claramente já sabia da sua natureza e dos outros que ali moravam, mas ainda não tinha tirado provas concretas com os próprios olhos, e hesitava em crer com plenitude no que escutara ao longo dos anos.

— Pois bem, como deve saber, somos vampiros. Mas não se assuste, pois não te oferecemos perigo. Aliás, você também se tornou um. — com delicadeza ela se agachava, até ficar cara a cara com Luke — Porém, notamos que você tem algo de especial. Seu corpo insiste em resistir, e em parte ainda és humano.

— E o que isso significa? — se preocupava.
— Não sabemos ainda, mas não era para ser assim. Temos membros da família que eram que nem você, humanos, mas todos se tornaram que nem nós — ela dava uma pausa as informações serem processadas — Ainda podemos sentir o batimento de seu coração. Procure o Nour e o Hyago, eles podem te ajudar mais, irão te entender melhor.
— Nour e Hyago... — falava para si, lembrando-se das vezes em que já escutara esses nomes.
— É claro, você não os conheceu ainda, permita-me leva-lo até eles. Levante-se — se erguia com a mesma delicadeza de antes, gesticulando para o rapaz acompanha-la.

         Os dois caminharam de volta para o interior da casa, com Luke seguindo os seus passos. Ainda desconfiado custava a manter a distância de alguns metros da mulher, com seus sentidos em alerta.
— Não fique tenso, já disse que não faremos mal nenhum a você, somos a sua nova família. — falava em tom calmante.

         Luke não dera o trabalho de responder, mas deixou os músculos relaxarem, assim como a mente, ao suavizar da voz apaziguadora. Um relance de escada e ambos já estavam no primeiro andar, de onde a vista era ainda mais bonita pelas janelas de ogivas. Os dois paravam na frente de uma porta, encostada por sinal. Antes que pudessem fazer algo ela se abriu, e Hyago os recebia, fazendo sinal para entrarem.

— Ótimo ver que passa bem. Entre, estamos consertando um motor. — convidava.
— Eu tenho outras coisas para fazer, mas ajudem o Luke no que ele precisar, vocês sabem como é. — Hyago deixou um sorriso escapar relembrando da época que passara pela mesma situação.

         Luke logo entrava no quarto, distribuindo olhadelas para todos os lados.

— Então é assim que vampiros passam o tempo?
— Precisamos fazer alguma coisa no tempo livre, não é como se não fizéssemos nada o dia inteiro e de noite fossemos caçar.

         A palavra caçar ainda dava certa angústia em Luke, não conseguia se imaginar matando humanos, muito menos bebendo de seu sangue. Mas, muitas emoções eram limitadas para vampiros, que se tornavam seres frios, capazes de matar sem nenhum remorso, mas como sabia, ele era diferente.

         Ao fundo estava Nour, com as mãos cheias de graxa cumprimentando o novo familiar. Como antes, os dois vestiam roupas pretas e jeans. Não haviam se apresentado formalmente, mas já sabiam das condições que seu irmão ficara ao longo dos anos, sabendo que não eram necessárias.

— Então, não quer ajudar aqui? — perguntava Hyago.
— Não acho que vá ser de grande ajuda — respondia — O que posso fazer?
— Nada muito complicado, pegue a chave de fenda ali para mim e nós te ensinamos algumas coisas novas.

         Um pouco mais familiarizado, Luke se deixava levar pelo ambiente confortável em que estava na companhia dos dois. Ali passaram o resto da tarde conversando, introduzindo-o na realidade em que viviam. Em algum tempo já sabia o nome de todos os membros da família, assim como a figura que cada um possuía, começava a entender também as hierarquias desse mundo, e escutou algumas histórias muito antigas sobre três amigos que desafiaram Deus nos primórdios dos tempos.

         Essa era a história de seu pai, Van Silverleigh.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Felicidade

Nesta vida existem muitas diversidades que a sociedade enfrenta, alguns tendem a estar frustrados e outros dar a volta por cima. Muitos propensos a serem iludidos e os demais lutadores por seus ideais, afinal acreditam que através deles chegarão ao tão sonhado objetivo. Outros lamentadores de problemas, tanto ao que pertence a si quanto ao alheio, porém com esperança existem aqueles que chamam os problemas e criam pontes para as soluções. Sem mencionar os que perderam o brilho da vida e se estagnaram nas derrotas do passado, julgando que a vitória só é para alguns, deixando seus patamares nos dos seres humanos tristes.

Entretanto há uma classe de indivíduos que diariamente constroem e reconstroem a si próprios, pois em nenhum momento seu cotidiano fica parado, tudo para eles está em constante movimento e como consequência se forçam a ser melhor cada dia mais para estar entre os melhores, tornando ela um valor de conhecimento e ao mesmo tempo prazeroso de ser vivida, vislumbrada e por fim, de ser FELIZ. A estes denominamos as pessoas Felizes.


Matheus Santos

domingo, 22 de novembro de 2015

[A Ira do Imperador] Capítulo I - Prelúdio: o Despertar


Seus olhos, agora entreabertos, depois de muitos anos, ficavam tímidos com os ínfimos raios de luz que o ofuscavam. Por muito tempo se ausentara, longe de qualquer traço da realidade. Esperou em um lugar terrível, assustador, de onde recusava a voltar. Mas, depois de tanto tempo, podia sentir tudo que lhe fora tirado durante esses longos anos.

— Onde estou? — gemia, falando consigo, acordando assustado, trêmulo, e apavorado — Não parece nada com... — indagava, vasculhando os arredores minuciosamente.

Tudo era irreconhecível. Já não mais via seu humilde armário, a bancada de madeira, inclinada e desgastada, e suas preciosas fotografias, coladas na parede, de outrora. Era tudo novo, mas ele já esperava por isso.

Já sabia que sua antiga vida ficara no passado, mas não aceitava isso, era tudo muito surreal para ser verdade. Parecia que vivera um sonho, mas, as paredes de madeira refinada do quarto, a bancada que se erguia do chão, presa na parede, as prateleiras sobre a mesa, revistada por uma vidraça negra em sua superfície, o grande armário de espelho embutido, e, principalmente, a foto de seus irmãos ao lado de sua cama, tudo era, sem dúvidas, real.

— Não pode ser. Não pode. Não... — seus dedos tocavam a foto ao lado de onde estava deitado, em um pequeno armário, com algumas gavetas, da altura da cama. Seus olhos se enchiam de lágrimas, cedendo às emoções que tomavam conta de si — Eles se foram. Eles se foram — repetia, levando as mãos ao rosto, soluçando de mágoa.

Logo, sem Vque. pudesse perceber sua presença, sorrateiramente, uma mão o tocava na altura dos ombros.

— Finalmente. Você acordou — uma voz fria chegava aos seus ouvidos. Seu instinto nada fez, mesmo que o toque lhe pegasse de súbito, fazendo gelar sua espinha. De alguma maneira, aquela voz parecia-lhe familiar, e fazia-o remoer sua memória em busca da resposta.

— Você... — deixava sair, mesmo sem encarar a face do desconhecido — Matthew. Eles se foram, não é mesmo? — perguntava, surpreendo o rapaz.

— Sim, eles se foram. Mas, meu nome, eu não me lembro de ter me apresentado, como sabia? —.

— Eu lembrei de sua voz. Eu a escutei dia após dia, noite após noite, você não parava de falar sozinho. — ele virava, sustentando uma expressão austera — Eu não sei bem o que esta acontecendo, mas, nesse tempo em que estive em coma consegui engolir as mágoas, mesmo assim, não suporto ver a foto deles... — de soslaio, ele olhava mais uma vez para o porta-retratos, que guardava a foto de um garoto e de uma garota, ambos de mesma idade, ao seu lado.

— Foi a única coisa que conseguiram recuperar. Além de você. — devolvia a expressão severa — E, o que tanto você escutou nesse tempo? — seu semblante não mudava, mas a sua voz adotava um tom dúbio, algo que não conseguia disfarçar.

— Tudo. Você é meu irmão, não? E me inveja por ser o novo membro da família, estou certo? — os olhos carmesins de Matthew vibravam em rubro, queimando como fogo vermelho. Era a face das chamas, com seus cabelos alaranjados, que caiam sobrem os olhos, lisos e chamativos.

— Tome cuidado com o que você fala. Não me importo se é meu irmão, temos uma hierarquia aqui, e se você der um passo em falso, pode ter certeza que serei o primeiro a te derrubar — levava a mão frente ao rosto, escondendo parte de seu olhar melancólico, produzindo um som agudo vindo de seus ossos que estralavam.

Não passara muito tempo desde que havia acordado, mas ainda conseguira formar uma inimizade, mesmo no que seria a sua nova família. Não estava mais assustado com toda aquela situação, pois, estranhamente, uma calma e frieza tomavam conta de seu corpo e mente, provindas de anos de reflexão, a única coisa que o fizera manter as esperanças em todo aquele tempo na solidão do vazio.

Os dois fintavam seus olhares, aumentando o atrito entre ambos, preste a eclodir. Seus punhos já se cerravam, e seus dentes rangiam, segurando toda uma raiva que implorava para ser liberada. Mas, antes que o seu despertar tomasse rumos inesperados, uma nova figura entrava na sala, apaziguando de imediato as tensões. Matthew percebia sua presença ao seu primeiro passo, deixando de lado toda a emoção do momento e abaixando a cabeça.

Seu aspecto era imponente, e o homem, já adulto, continha os mesmos traços do garoto, olhos carmesins e cabelos alaranjados. Mas, diferente do jovem rapaz, ele demonstrava uma vasta experiência, seu aspecto era imponente, e, em seu olhar, podia-se sentir o peso do conhecimento de gerações que carregava. Nele, guardava a sua determinação, que fazia os olhos do rapaz de medianos cabelos castanhos, os quais caiam sobre suas íris verdes, vidrarem nos seus, vislumbrando a pressão que o homem lhe passava, um respeito que só podia ser criado pelo poder – a presença sufocante de um rei. 

— Não precisamos de mais confusão, filho. — se dirigia a Matthew. Sua voz era deslumbrante, e determinava ordem em seu comando.

         Sentia ali o rapaz que aquele homem nascera com um dom divino, agraciado pelos deuses, criando uma forte admiração pelo mesmo rapidamente, iludido por sua presença marcante, o dom de reinar. Sem contestar, o garoto ruivo deixava o quarto, cabisbaixo, sem soltar mais uma palavra.

 — Desculpe o incômodo, ele é apenas um garoto. Luke, não? —.

— Luke. Luke Blake. — sua voz hesitava por um segundo, fazendo-o engolir em seco — Vo-você pode... — balbuciava algumas palavras, sem sucesso em completar a sua frase, sufocado pela presença esmagadora.

— Se eu posso explicar? É o que pretendo fazer. Mas, primeiro, se acalme. Eu preciso que você me escute, com atenção, então se recomponha.

Suas palavras soavam como ordens, sendo quase impossível nega-las para uma pessoa sem força de vontade. Suas ordens eram absolutas, e faziam Luke se endireitar sobre a cama, ajustando a postura como podia, sem tirar os olhos da face do homem.

— Meu nome é Van, já que você esta tímido demais para perguntar. Como se sente? — o homem sentava na cabeceira da cama, deixando um pouco de lado sua expressão possante, se tornando mais fraternal.

— Estranho. — falava baixo, olhando para as palmas das próprias mãos pálidas — Me sinto frio. Sem muitas emoções. Com sede. — se analisava, percebendo a notória diferença em sua pele pálida, semelhante ao das pessoas que ali haviam entrado.

— Sim, é o normal. Esperei muito tempo você acordar, não pensei que demoraria tanto tempo assim, geralmente são apenas dias, as vezes semanas. — informava — Bem, já escutei ao longe que você estava consciente todo esse tempo, então já deve ter aceitado o que aconteceu com a sua família, imagino —.

— Sim. — friamente respondia — Não consigo sentir nada, agora. Mas, mesmo assim, algo arde dentro do meu peito ao ver aquela foto. O bombardeio... Perdi tudo, não me restou nada. Ao menos sei como sobrevivi — esperava uma resposta do homem, algo que desse sentido a tudo que passara, a chave para suas dúvidas.

— Você estava em um estado deplorável, acabado, beirando a morte quando te encontrei. Seu pulso era fraco, sua respiração ofegante, já mal podia resistir. Mas, você protegia, mesmo que em vão, aquelas duas crianças, com tudo que lhe restava, não parava de dizer os seus nomes. Não pude deixa-lo ali, é raro encontrar em um humano sentimentos tão nobres, então resolvi adiar sua sentença por mais algum tempo, por isso você esta aqui hoje. — relembrava.

— Dylan e Suzan. Eu não esquecerei deles, jamais. — pausava — Mas, então, como me salvou se eu estava a ponto de morrer? Não entendo como pude sobreviver, e, ainda sim, sem uma cicatriz... — mais uma vez, analisava seu corpo, como se não acreditasse no que estava vendo. Desejava que tudo aquilo fosse uma ilusão, um sonho, o qual logo acabaria.

— Como te salvei? Eu não diria bem isso, apenas prolonguei a sua vida. Agora você carrega uma maldição, é um ser banido dos céus, alvo da Ira de Deus. Você não esta salvo —.

— Maldição? Ira de Deus? Do que esta falando? — se assustava. Não pelas revelações, mas pelo fogo que acendia no olhar do ruivo, fazendo arder sua alma.

— É exatamente o que escutou. Você foi banido dos céu etéreo, eternamente, fadado a viver na terra até o fim de seus dias, em custo do sangue de seus semelhantes.

— Como assim? Eu-eu não entendo... — sua mente começava a ficar confusa, torturando o rapaz.

— Logo entendera, aos poucos se acostumara com essa vida. Seu corpo ainda não experimentou do néctar divino, mas logo não se tornara um caçador insaciável, mas estamos aqui para te ajudar, pois somos sua nova família. E, seja bem-vindo aos Silverleighs. — com toda pujança, se levantava, se erguendo mais uma vez e deixando a sala sem olhar para trás, e, antes de sair, completava — Descanse, rapaz. Essa nova vida ira te custar tudo, esteja preparado —. 

         Sem entender tudo com clareza, Luke continuava ali, estagnado em sua cama, ainda processa todas as informações de anos. Sabia que algo mudara definitivamente, mas, não sabia ainda ao certo o que. As palavras do soberbo ecoavam em sua mente, e, aturdido, ele voltava a fechar os olhos, encostando sua nuca no travesseiro, voltando gradualmente para seu sono profundo.

— É tudo um sonho. — desejava.

Em terras distantes, esquecidas pela memória humana, largada sobre ruínas e escuridão, a calada da noite reinava nos céus, tomando a graça do dia e a transformando em uma sombria amplidão. O antes cerúleo do céu se tornava vermelho, e a lua cheia vibrava em suas tonalidades obscuras, psicodélicas, dando o tom marcante ao horizonte. O céu sangrava.

De sua casa, espectadores acompanhavam o evento.

— É noite da Lua de Sangue. O prelúdio das catástrofes. A humanidade, e nós, seremos castigados pelas pragas divinas, pelos nossos pecados. Qual será o infortúnio dessa vez? — no alto da varanda de sua mansão, Van comtemplava o luar, acompanhado de sua dama, uma mulher bonita, alta, também dona de longos e cacheados cabelos ruivos.

— Talvez outro demônio. — chutava — Ou, quem sabe, uma nova peste. Mas, como as coisas andam, não acho que vá ser algo leve — reconsiderava, sem tirar os olhos da lua. Sua voz era calma, e de seu boca saia a fumaça do cigarro, logo levada para longe pelos ventos que tomavam força — Uma tempestade — confirmava.

— A fúria divina. Nos resta esperar — se conformava, esperando por algo.

         Os raios castigavam as planícies já sem vida. O solo arenoso, quebrado, as árvores secas, arrancadas do chão pelas tempestades. O lugar desértico virava uma tormenta de trovões e descargas elétricas, e as grandes nebulosos descarregavam sua ira nas terras já devastadas.
         A lua atingia o ponteiro da meia-noite, dando inicio a um novo dia, uma nova chance, uma nova era. O seu brilho convergia em um ponto, iluminando a areia em sangue, e logo um raio caia sobre o local, abrindo uma pequena cratera no chão, junto do tremendo e imensurável estrondos que rangiam no céu.

         Tudo aquilo era um incômodo. Ousavam atrapalhar o seu sono. Milênios se passaram desde que vira o mundo afora. Milênios se passaram desde que não provara aquele liquido vermelho, e seu corpo ansiava por isso. Seus olhos escarlates brilhavam em meio aquela escuridão, suas mãos tateavam a madeira acima de seu corpo, e seus ouvidos captavam o guinchar das pequenas criaturas que se apossavam de seus domínios. Sua mão encontrava a lâmina maldita, que refulgia diante do fulgor de seus olho e com ódio a arrancava de seu coração. Sua outra mão perfurava a tampa de madeira, e logo a quebrava em pedaços. E, finalmente, seu corpo se erguia mais uma vez, em pé em seu caixão, pronto para renunciar o que era seu por direito.

         Seus pés, conheciam mais uma vez a sensação do chão firme, frio e confortante. Não conservava a mesma boa imagem de outrora, mas logo tratava de limpar as teias de aranha de suas vestes. Seu santuário, intocável, abaixo da terra, cedia no teto, iluminando com um feixe de luz sangrento seu leito de repouso. Sem fazer esforços, suas asas se abriam mais uma vez, lembrando um grande morcego, e o levavam para a superfície. Era o seu primeiro passo depois de dois milênios, e a terra não esquecera seu terror, pois até o seu andar era inesquecível, deixando rastros de destruição por onde quer que pisasse.  O chão tremia perante seu poder, e o abalo fora sentido em todo o mundo, como um choque que anunciava a sua chegada. Ele estava de volta.

— Largado nos confins da terra. Um péssimo lugar para o leito do rei. — falava consigo, fazendo com sua voz macabra calar o rugir dos trovões, mergulhando em silêncio os céus.

         No meio das ruínas e da terra esquecida, onde o vento levantava a poeira, aquela figura divagava, cambaleando por quilômetros em uma caminhada solitária, sedento por sangue. Seu olfato apurado, digno do maior predador, o fazia decidir para onde ir. E, assim, a criatura subia ao alto, se misturando com a escuridão em sua forma pitoresca, voando para iniciar seu cataclismo.

[...]

        Em sua mansão, sua fortaleza, sua volta era recebida com medo e pavor.

— Ele voltou. — confirmava pasmo, Van — Eu não acredito que ele foi capaz de quebrar o selo. Mas, isso pode ser bom. — ponderava.

— Ele vai querer o seu trono de volta. E, essa é a sua chance. — a ruiva passava seus braços ao redor do pescoço de seu amo.

— Sim, finalmente. Mas, ainda sim, terei que lidar com ele. — levava a mão a cabeça, que parecia latejar — O título será meu, como antes, nossa família voltara ao topo — determinava, cerrando os punhos com imensa confiança.

— Sim, ela ira. — consentia.

         Dentro de seu território, gritos agonizantes ecoavam pela casa, sendo seguido por um enorme estrondo e um último grito estridente, esse, surreal.

— O que foi isso? — revelava suas presas e seus sentidos se afiavam, prontos para o pior.

— Veio lá de dentro. Do quarto do garoto! — ela se referia a Luke, segurando as pontas do vestido e correndo para dentro da casa, junto de Van, em suas velocidades normais, cautelosos, pois não sabiam o que lhes esperava, e temiam ser a criatura há pouco despertada.

         Logo chegavam aos aposentos onde, supostamente, o rapaz deveria estar. Ele não estava ali, e um enorme buraco na parede havia sido aberto.

— O que está acontecendo? — o homem gritava, e sua voz imponente alcançava toda a gigante construção que se estendia por uma vasta área, sendo dividida em várias secções, uma em cada ponto cardial. A ira nos seus olhos faziam-no queimar, e as veias sobressaltavam. O carmesim cintilava e logo, ao seu redor, três homens estavam de pé, surgindo repentinamente de uma espiral sombria.

— Pai, se acalme — o, aparentemente – próximo dos vinte e cinco -, mais velho deles pedia, levando a mão ao seu ombro. Junto dele estavam Matthew e outro garoto, de mesma idade, cercando os dezenove. Diferente de seu pai, os dois não tinham cabelos ruivos, mas cabelos negros, curtos e aparados nas laterais, de pele igualmente pálida, trajando roupas comuns, tais como jeans e jaquetas de couro.

— Achem o garoto, e voltem antes do alvorecer — ordenava, virando as costas de maneira bronca — Tenho coisas para resolver — completava, sumindo ao virar da porta.

         Sem mais delongas, os três passavam por uma rápida transmutação, fazendo surgir asas de suas costas, com cerca de um metro e meio, as quais logo os levavam para fora da casa, saindo abruptamente em busca de Luke.
         A noite, ainda era tingida de vermelho, e o trio sobrevoava os céus em missão. Não sabiam do paradeiro de seu irmão, mas, agora,  já podiam imaginar por onde seguia.

— Droga —  resmungava o mais velho, também mais alto — Ele se transformou, e provavelmente perdeu o controle — acompanhava uma trilha de sangue, a qual se estendia por metros na calçada, sendo desviada até um bosque — Pra lá — guiava os demais.

         Adejando no ar, os três seguiam bruscamente a trilha de sangue, desviando dos grandes galhos dos altos pinheiros que formavam o bosque.

— Estão o vendo? — perguntava Matthew.

— Ainda não. O rastro esta sumindo, ele deve ter sugado todo o sangue da vítima, droga. Matth, quero que cubra a esquerda e você, Nour, a direita.  — o mais velho, nomeado Hyago, seguia em dianteira, em busca da fera.

         Separados conseguiam cobrir uma área mais vasta, na tentativa de impedir mais vítimas. Não que se importassem com os humanos, pois para eles eram todos apenas presas vivendo em um curral, prontas para serem abatidas. Mas, sabiam que as consequências de deixarem solto um dos seus em sua forma animalesca, o que poderia causar um desequilíbrio no mundo.

         Sua visão era privilegiada, e não conhecia o medo da escuridão, estava em casa na mesma, envolto pelo tênue véu das silhuetas das folhas que sacudiam ao vento. Logo, com bem mais experiência que seus irmãos, conseguia rastrear o seu alvo, localizando o seu trajeto. Não demorou muito para o brilho de seus olhos se cruzarem, e, sem querer dar chances para imprevistos, mostrava suas presas, adotando ao seu estado voraz. Sua face mudava aos seus desejos, suas orelhas se estendiam pontiagudas para trás, e sua mandíbula crescia, sustentando uma aparência feroz.

— Luke, você consegue escutar-me? — sua voz sofria uma leve discrepância, se tornando mais grave e assustadora. Em resposta, o humanoide recuava dois passos para trás, com medo do perseguido — Não estamos aqui para machucar-te, venha conosco, para o lar — ele estendia a mão, escondendo as unhas afiadas.

         Acuado, a cria das trevas não via mais escapatória. Seus instintos animais o faziam reagir, lutar pela sua vida, por achar que estava em perigo. No mesmo grito estridente de antes, ele avançava, mirando o pescoço de Hyago. O combatente já passara por situações semelhantes, e ainda era mais forte que seu oponente, aparando a sua investida por meio da força bruta, atirando Luke para longe com seu braço, transpassando árvores, que caíam mediante o impacto.    

         Assim como começara, a luta acabava rapidamente. Hyago ia de encontro ao corpo do rapaz, agora em seu estado normal.

— Perdão por isso, irmão. — voltava ao seu corpo humano. Ele se agachava, erguendo o corpo desacordado sobre seus ombros.  Logo, os dois outros se juntavam a sua companhia, caminhando ao seu lado.

— É, até que não deu tanto trabalho — Matthew falava, com as mãos atrás da cabeça, relaxado.

— Não para mim, mas para você teria dado, ele estava na mesma forma que você consegue transmutar-se. — zombava, ainda que sério. Recebendo um grunhir do rapaz.

— Agora resta voltar e descobrir o que o levou a despertar assim — Nour se pronunciava.

         A lua já voltava aos seus aposentos, e o sol, do outro lado, já indicava o amanhecer. Tornando o horizonte alaranjado. O trio, agora quarteto, voltavam para a mansão, descansando o rapaz em sua cama. Ao chegar, não encontraram seu pai, Van, sendo noticiado que fora convocado para o conselho, algo que só acontecia em medidas extremas, com séculos de intervalos. O Conde havia chamado todos os primordiais. Os rumores do alvoroço se propagavam, e, logo, todos sabiam.


Ele havia voltado.

domingo, 8 de novembro de 2015

Incoerências do próprio ser




Uma das controvérsias do ser humano é realmente quando acabam se perguntando sobre o que poderia ter dado certo e se terão alguma outra chance em suas vidas, porém ao final sempre dizem que nada do passado importa e o foco está no presente que resultará no futuro. Engraçado né? Muitos destes passam horas e horas à noite nos seus quartos se auto enganando que dormirão, mas na verdade encontram-se numa vasta escuridão buscando definir o real significado de todos os ocorridos, elementos que surgiram momentos antes de formas inesperadas sem sentido algum, pequenos fatos que transformaram algumas passagens marcantes sejam pelo lado positivo ou negativo. Muitas vezes memórias não são bem vindas em horas de reflexão, principalmente quando os sentimentos estão sensíveis e o coração pulsa apenas por pulsar, não tendo mais motivos que faça transbordar de alegria e que dê algum sentido para a vida.

Assim acaba em apenas mais um dia para o individuo, um completo vazio e sem importância alguma. Sem belos resultados nos estudos, um desempenho que deixe a desejar no trabalho, uma relação familiar completamente composta por grosserias ou vácuos nos quais criam a impressão de estar estressados. No entanto esta atitude não é para se acomodar ou se machucar mais ainda, é empecilhos que cravam na alma e transformam a vida num gosto amargo e triste para saborear; São maneiras de se trancar de tudo que emana amor e possa decepcionar mais uma vez, a tal ponto em que ninguém que esteja ao redor consiga ajudar. Viagens que levam estes a lugares que nada possa toca-los e visitarem, como uma ilha de tamanho insignificante em alto mar ao qual nenhuma pessoa possa saber a localização para adentra-la.

Já no próximo dia saem de suas ilhas que são consideradas como porto-seguros por eles, entretanto na verdade espaços cultivadores de lágrimas, raiva, mágoa, rancor e tristeza. Ao ouvirem as perguntas “tudo bem?”, respondem com uma rapidez que tudo está bem para que nada ou ninguém se preocupe com os problemas que rodeiam. Sorriem com dificuldades, mostram encorajamento no que chamam de destino, mas na profundeza de suas almas temem pelo fim de seus sonhos e esperanças. Tentam se motivar criando falsas expectativas que talvez nunca acabem se tornando realidade, embora não ser pela circunstância e sim pela sensação de medo que estão inseridos numa intensidade assombrosa. Frutos de traumas e acontecimentos que há dias, meses, anos foi estagnado em suas jornadas, esquecendo-se arduamente no que um dia já recebeu de graça.

As pessoas terminam criando em seu próprio consciente de que nada do que já passou importou, intitulando que tudo que são hoje é baseado na força e perseverança de suas atitudes. Talvez em parcialidade seja, afinal tudo que é plantado uma vez, um dia é colhido, mas quem sabe distinguir se foi apenas pelo mérito? Quem saberia afirmar que não somos frutos de experiências que nos mostram resultados grandiosos ou desastrosos? Quem saberia falar que o que alguém passa não é o mesmo que passa na vida alheia? Dentre essas perguntas e muitas outras todos nós somos submetidos diariamente, desenvolvendo algumas coisas que dizem ser incoerentes. E são! Cabe a cada um viajar e velejar pelo mar dentro da consciência, trazendo e descobrindo monumentos considerados lendários, inesquecíveis e lindíssimos, aos quais possuem diversos significados, mas que por fim resultam em diferentes traços para si. Provavelmente um dia respostas como essas serão respondidas, porém até lá a incoerência predominará em certos casos, trazendo ilusões, dores, falta de sentido e até mesmo discórdia. O que valerá será a busca faminta dos reais significados de tudo que já foi visto, e um dia considerado incoerente.


Matheus Santos