Em algum lugar ao sudeste da Europa, na região dos Balcãs.
Sentado
em um trono gótico, de detalhes excêntricos, onde um dia um rei comandou, ele
esperava ansioso a espera de algo, quase que impaciente. Seus cabelos já eram
brancos, e eram jogados para trás, mas sua aparência em nada demonstrava sinais
de velhice. Seu olhar dar cor das cinzas de carvão se mostrava distante e vago,
fitando para o vazio a sua frente, mas deixava claro, ele não era um velho.
O salão possuía um formato retangular, sustentado por imensas
pilastras em retilínea, no meio das duas seções de colunas um extenso tapete
vermelho se estendia até a entrada, lugar para onde o homem encarava agora.
— Finalmente!
Onde estavam? Sabem quanto tempo esperei? Não falei da importância desse
encontro? — vociferou ao abrir da porta
dupla. Dela chegavam seis homens, trajados com mantos pretos que ocultavam suas
identidades.
Nenhuma palavra era proferida, e por
isso seguisse alguns segundos de silêncio. Os homens se agachavam sobre um dos
joelhos e prestavam reverências, levantando a ordem da figura sentada no trono.
Era a imagem do poder, e ninguém ali ousava desacatar suas ordens, mesmo com
todo escarcéu.
— Eu
quero que reúnam todos os lordes, assim como os duques. Envie-los uma mensagem
e os diga que eu, o Conde, os convoco para uma reunião aqui, no Castelo de
Ishgar. E, deixem bem claro, é uma emergência, ausências serão reprimidas.
Seguindo as ordens, o grupo mais uma
vez prestava reverência e se retirava do local, deixando mais uma vez o homem a
sós, absorto. Segurava um cálice dourado em suas mãos, e aos poucos o comprimia
entre seus dedos, até quebra-lo em pedaços. Estava furioso.
As mensagens, como ordenado, logo foram
escritas pelas mãos dos homens, e entregues para os destinatários, que logo
souberam das suas convocações. Onze cartas foram enviadas, percorrendo
diferentes direções ao redor do mundo. Nove eram aqueles que podiam ser
chamados de duques, e três de lordes, mas apenas uma carta fora enviada para um
lorde.
Estados
Unidos, Carolina do Norte, em Raleigh.
— Parece
que Kael esta desesperado, ele nos convoca para uma reunião. Traidor. Vêm
implorar por ajudar, insolente, depois de tudo. — seus olhos cintilavam em
fúria, e sua mão amassava a carta. Van se dirigia para sua ama, a mulher de
cabelos ruivos.
— Se
acalme. Você sabe que ele precisa de sua força. Não existe ninguém além de você
com quem ele possa contar. — sua voz apaziguadora trazia seus olhos de volta a
coloração usual.
— Já não
sou aquele antes, você sabe. Ele me tirou tudo, imprestável. — ameaçava voltar
ao seu outro estado, que mais parecia uma segunda personalidade.
— Nem
tudo. — afirmava a mulher — E lembre-se, mesmo assim você ainda é mais do que
qualquer um daqueles duques, bajuladores — passava os braços ao redor de seu
pescoço, aumentando sua moral.
— Tem
razão. É um momento oportuno. Ele voltou, e isso é inesperado, não achava que
pudesse vir a acontecer. Kael se sente ameaçado, e fara de tudo para manter-se
no poder. Mas, não vejo como para-lo, ele detém o verdadeiro poder em suas
mãos, diferente daquele traidor, que ludibria para conseguir o que quer. — suspirava,
dando uma pausa no discurso e fintando o céu.
— Nada
pode impedi-lo, o Conde do Milênio. Ele assumira o poder, dando fim a essa
loucura, e eu terei minha vingança. — falava nostálgico, relembrando tempos
antigos onde um dia os três compartilhavam laços de amizade — Espero
encontra-lo em breve, Polaris — comentava com sua mulher.
— Irá.
Mas não acho que ele seja o mesmo. — palpitava.
— Isso
eu mesmo descobrirei. — falava determinado.
A carta chegara horas depois de
enviada, e Van já se preparava para a viagem até a Europa. Não que precisasse
viajar pelos meios convencionais, que nem os pobres humanos, mas dada à
fragilidade da situação em que se encontrava, era mais seguro optar por seus
meios comuns.
Após atravessar a metade do Condado de
Wake de carro, ele chegava a uma pista de aeronaves, onde nenhum veiculo
transitava. Descia do seu Aston Martin prateado, estacionado ao lado da
guarita. Seus cabelos flamejantes se remexiam ao vento, e os raios refletiam em
um óculos escuro. Todo o seu aspecto de uma pessoa importante se completava com
o terno preto extremamente formal, acompanhado de uma gravata vermelha.
Passou direto pelos guardas sem mais problemas, e foi até a pista,
onde instantes depois um jato particular de médio porte começava a se
posicionar, esperando a sua chegada. Uma escada logo se estendeu até o chão, o
guiando para dentro. Recolhida, a porta se fechou, e o jato começou a ganhar
velocidade, até se erguer do chão e com extrema velocidade rumar para o
nordeste, em direção a Europa.
As nuvens brancas eram cortadas pelo dirigível, e o olhar de Van se
perdia no vasto oceano abaixo deles. Em horas chegaria ao seu destino, e os
problemas dos últimos anos em nada se comparariam ao que estava por vir.
De volta à Carolina do Norte, a mansão
perdia grande parte de sua agitação rotineira. O silêncio dominava as salas e
os corredores. As três estruturas que faziam parte de sua composição nunca
conheceram paz maior. A primeira era voltada para a estrada, e era onde ficavam
os acessos para os jardins localizados no centro das construções. A segunda,
mais a fundo e a direita guardava os alojamentos, onde todos costumavam dormir.
E por fim a terceira, a maior, de onde se erguiam duas torres em forma de
cúpula, onde eram tratados os assuntos políticos mais importantes e lugar dos
convidados.
Por dentro, os corredores eram
adornados por quadros de artistas renomados de diversas épocas, e diversos artefatos
antigos colecionados ao longo dos anos. E na parte interna, em geral, a casa
possuía um tom de vermelho-vinho misturado com a cor das madeiras de mogno, que
revestiam quase toda a fundação.
Já era o dia posterior ao despertar de
Luke, e ele acabava de acordar, mais uma vez. Não conseguia se lembrar do que
ocorrera na noite anterior, mas sentia-se bem, ao menos se recordava de um
momento em que já se sentira tão disposto em sua vida. Encarou o grande buraco
que se fazia notar frente a sua cama, mas não se intimidou em vagar por ai. Em
minutos já estava perdido, e não sabia mais por onde voltar, decidindo sair em
direção aos jardins que o atraiam ao aroma das flores.
Era inicio de outono, e as
folhas das árvores já perdiam a sua cor, caindo dos galhos e folheando o
gramado. Fazia tempo que não tinha contato com a natureza, e deu-se o prazer de
apreciar o momento que apesar de marcar a morte das plantas, não perdia a sua
beleza. Ali ficou, escorado no tronco do carvalho vermelho, deixando-se cair
até ficar sentado com as pernas estiradas sobre as folhas alaranjadas.
Polaris se aproximava, e logo fazia companhia ao rapaz. Seu vestido
vermelho arrastava suas bordas no chão, e ela parava ao lado da árvore.
— É
belo, não?
— É... —
contemplava a vista do lago artificial que se formava mais a frente, onde
desemborcavam dois pequenos cursos de água — Tudo tão surreal — completava.
— Levamos
anos para construir nosso lar, sinta-se em casa. — confortava.
— Foram
setenta anos — pausava — As coisas mudaram muito. Não estamos mais em guerra. E
eu estou vivo — indagava.
A ruiva
sentia a mudança no tom da voz, e percebia que eram exigidas explicações de sua
parte.
— Você
já deve ter notado algumas mudanças no seu corpo — ela o espera assentir com a
cabeça, como assim o fez.
Luke estava inerte, atencioso a cada palavra proferida pela mulher.
Claramente já sabia da sua natureza e dos outros que ali moravam, mas ainda não
tinha tirado provas concretas com os próprios olhos, e hesitava em crer com
plenitude no que escutara ao longo dos anos.
— Pois
bem, como deve saber, somos vampiros. Mas não se assuste, pois não te
oferecemos perigo. Aliás, você também se tornou um. — com delicadeza ela se
agachava, até ficar cara a cara com Luke — Porém, notamos que você tem algo de
especial. Seu corpo insiste em resistir, e em parte ainda és humano.
— E o
que isso significa? — se preocupava.
— Não
sabemos ainda, mas não era para ser assim. Temos membros da família que eram
que nem você, humanos, mas todos se tornaram que nem nós — ela dava uma pausa
as informações serem processadas — Ainda podemos sentir o batimento de seu
coração. Procure o Nour e o Hyago, eles podem te ajudar mais, irão te entender
melhor.
— Nour e
Hyago... — falava para si, lembrando-se das vezes em que já escutara esses
nomes.
— É
claro, você não os conheceu ainda, permita-me leva-lo até eles. Levante-se — se
erguia com a mesma delicadeza de antes, gesticulando para o rapaz acompanha-la.
Os dois caminharam de volta para o
interior da casa, com Luke seguindo os seus passos. Ainda desconfiado custava a
manter a distância de alguns metros da mulher, com seus sentidos em alerta.
— Não
fique tenso, já disse que não faremos mal nenhum a você, somos a sua nova
família. — falava em tom calmante.
Luke não dera o trabalho de responder,
mas deixou os músculos relaxarem, assim como a mente, ao suavizar da voz
apaziguadora. Um relance de escada e ambos já estavam no primeiro andar, de
onde a vista era ainda mais bonita pelas janelas de ogivas. Os dois paravam na
frente de uma porta, encostada por sinal. Antes que pudessem fazer algo ela se
abriu, e Hyago os recebia, fazendo sinal para entrarem.
— Ótimo
ver que passa bem. Entre, estamos consertando um motor. — convidava.
— Eu
tenho outras coisas para fazer, mas ajudem o Luke no que ele precisar, vocês
sabem como é. — Hyago deixou um sorriso escapar relembrando da época que
passara pela mesma situação.
Luke logo entrava no quarto,
distribuindo olhadelas para todos os lados.
— Então
é assim que vampiros passam o tempo?
— Precisamos
fazer alguma coisa no tempo livre, não é como se não fizéssemos nada o dia
inteiro e de noite fossemos caçar.
A palavra caçar ainda dava certa
angústia em Luke, não conseguia se imaginar matando humanos, muito menos
bebendo de seu sangue. Mas, muitas emoções eram limitadas para vampiros, que se
tornavam seres frios, capazes de matar sem nenhum remorso, mas como sabia, ele
era diferente.
Ao fundo estava Nour, com as mãos
cheias de graxa cumprimentando o novo familiar. Como antes, os dois vestiam
roupas pretas e jeans. Não haviam se apresentado formalmente, mas já sabiam das
condições que seu irmão ficara ao longo dos anos, sabendo que não eram
necessárias.
— Então,
não quer ajudar aqui? — perguntava Hyago.
— Não
acho que vá ser de grande ajuda — respondia — O que posso fazer?
— Nada
muito complicado, pegue a chave de fenda ali para mim e nós te ensinamos
algumas coisas novas.
Um pouco mais familiarizado, Luke se
deixava levar pelo ambiente confortável em que estava na companhia dos dois.
Ali passaram o resto da tarde conversando, introduzindo-o na realidade em que
viviam. Em algum tempo já sabia o nome de todos os membros da família, assim
como a figura que cada um possuía, começava a entender também as hierarquias
desse mundo, e escutou algumas histórias muito antigas sobre três amigos que
desafiaram Deus nos primórdios dos tempos.
Essa era a história de seu pai, Van Silverleigh.